A Heranca de Agneta

Algo me encandeava. Quando abri os olhos, pensei que estava no meu antigo quarto da Herdade do Leão. Mas aquilo que, num primeiro instante, me pareceu um ornamento de estuque, revelou-se uma comprida fissura no teto, em torno da qual se haviam formado manchas de humidade. As mais escuras já lá estavam quando para aqui me mudei há dois anos, as mais claras surgiram apenas há pouco tempo. Entornaram um balde de água no apartamento do piso de cima, acrescentando assim mais um ornamento àquela obra de arte. A alvenaria das casas do bairro universitário de Estocolmo era porosa como uma esponja e absorvia a água com a mesma rapidez com que esta depois voltava a gotejar. Em compensação, como estudante, pagava pouco para ali morar. A minha mãe diria que era miserável e abaixo da minha condição, mas ali eu podia ser quem realmente sou. Podia estudar, apesar de tal não ser bem visto pelos membros da alta sociedade. Não tinha de seguir convenções. Que diferença fazem meia dúzia de manchas no teto do quarto? Um ar frio bafejou-me o rosto. Olhei na direção da corrente de ar e reparei que o papel de jornal voltara a cair do buraco no vidro. A vidraça inferior da janela estava partida há muito tempo. Devia o estrago a um rapaz que, enquanto brincava desgovernado na rua, atingira a minha janela com uma pedra. O meu senhorio não reconheceu que deveria mandar reparar a janela, e eu não me podia dar a esse luxo, porque teria sido necessário pedir mais dinheiro ao meu pai. Eu já não ia à Herdade do Leão desde a última grande discussão no Natal, e também não procurara estabelecer nenhum contacto.