Um Caso de Ruptura

Por um bilhetinho afixado ao espelho do banheiro, comuniquei minha saída de casa para comprar cigarros. Considerando que não fumo, a mensagem deve ter sido entendida no sentido figurado pela minha mulher. Já no banco em que eu trabalhava deixei um modesto desfalque a ser interpretado como um ato de rebeldia ou um tácito pedido de demissão. Aquela noite, a ansiedade pelo decisivo e irrevogável passo que eu estava prestes a dar não permitiu que eu pegasse no sono, mas esperei até as cinco da manhã para levantar-me e, sorrateiro, recolher uma mala que eu vinha enchendo aos poucos com roupas leves e pesadas culpas... Não parti de casa nem do banco em busca da “felicidade”, entre as devidas aspas, sentimento que se identifica no semblante alheio, geralmente associado a conformismo e alienação. Embora eu não me considere masoquista, esclareço que não a buscava. Busquei, sim, dar uma guinada radical na vida ao adotar um mau caráter e escolher uma longínqua e pouco visitada cidade interiorana para me homiziar. Como precaução, deixei o carro na garagem e peguei um ônibus porque multas de trânsito podem dar preciosas pistas sobre o paradeiro dum fugitivo despretensioso como eu, que não cogitava deixar o território nacional. De chegada ao meu destino, que já ia escrevendo com D maiúsculo, perguntei a um solícito mas mal-encarado carregador de malas onde havia uma pensão. Observando detidamente minha vistosa camisa polo, ele esboçou um irônico sorriso, supondo − aliás corretamente − que eu poderia pagar pela hospedagem no hotel que ele sugeriria em troca duma justa comissão.